Capítulo 9
MESMO DEPOIS DA CONSIDERÁVEL FESTA de boas-vindas no
aeroporto, as estradas rumo ao palácio estavam cercadas de multidões torcendo
por nós. A parte triste é que não podíamos abaixar a janela do carro para agradecer.
O guarda no banco da frente disse que deveríamos nos considerar uma extensão da
família real. Muitos nos adoravam, mas havia pessoas lá fora que não se
importariam em nos ferir para ferir o príncipe. Ou a própria monarquia.
Eu estava
presa ao lado de Celeste no carro. Era um modelo especial com
dois bancos de passageiros na parte
de trás, um voltado para o outro, e vidros escuros. Ashley e Marlee iam
sentadas à nossa frente. Marlee olhava radiante pela janela. O motivo era
óbvio: seu nome estava escrito em diversos cartazes. Seria impossível contar
quantos admiradores ela tinha.
O
nome de Ashley também aparecia aqui e ali, quase tanto quanto o de Celeste e
bem mais que o meu. Ashley, sempre uma dama, não se deixou levar pelo
pensamento de ser uma das favoritas no concurso. Celeste, eu podia notar,
estava irritada.
—
O que você acha que ela fez? — cochichou no meu ouvido enquanto Marlee e Ashley
conversavam sobre suas casas.
—
Como assim? — cochichei de volta.
—
Para ser tão popular. Você acha que ela subornou alguém?
Seus
olhos frios se fixaram em Marlee, como se estivesse aferindo o valor dela
mentalmente.
—
Ela era uma Quatro — afirmei, com ar cético. — Não teria dinheiro para subornar
alguém.
Celeste
estalou a língua.
—
Por favor... Uma mulher possui outros meios de conseguir o que quer — ela
disse, virando para olhar a janela.
Levei
um tempo para compreender o que quis dizer e não gostei nada daquilo. Não
porque era óbvio que uma pessoa tão inocente como Marlee seria incapaz de
pensar em dormir com alguém – ou seja, quebrar uma lei – para se dar bem, mas
porque ficava claro que
a vida no palácio ia ser pior do que eu tinha imaginado.
Eu
não tive uma boa visão do local na chegada, mas reparei nas paredes:
tinham um tom amarelo-claro e eram muito, muito altas. Havia guardas no alto de
cada um dos lados do amplo portão, que se abria para dentro conforme nos
aproximávamos. O carro entrou e seguiu uma pista de cascalho que contornava uma
fonte e conduzia à porta principal, onde alguns oficiais esperavam para nos dar
as boas-vindas.
Com
pouco mais que um “oi”, duas mulheres me agarram pelo braço e me arrastaram
para dentro.
—
Perdoe-nos pela pressa, senhorita, mas seu grupo está atrasado — uma delas
disse.
—
Ah, acho que foi culpa minha. Falei demais no aeroporto.
—
Você estava conversando com a multidão? — a outra perguntou com ar de surpresa.
Elas
trocaram um olhar que não compreendi antes de começarem a indicar para onde
devíamos ir.
A
sala de jantar ficava à direita, contaram, e o Grande Salão à esquerda. Vi um
pedacinho florescente de jardim do outro lado das portas de vidro. Queria ter
parado. Antes de conseguir processar para onde íamos, as duas me empurraram
para um salão gigantesco com pessoas que passavam de um lado para o outro.
Abriu-se
uma brecha naquele formigueiro humano. Pude ver fileiras de profissionais
cortando o cabelo e fazendo as unhas das garotas. Roupas pendiam de cabides, e
as pessoas gritavam coisas como “Encontrei o tom!” e “Assim ela parece gorda”.
—
Aqui estão elas!
Vi
uma mulher caminhando na nossa direção. Com certeza era a responsável.
—
Meu nome é Silvia. Conversamos pelo telefone — ela se apresentou e
imediatamente se pôs a trabalhar. — Uma coisa de cada vez. Primeiro, as fotos
do “antes”. Venham aqui — ela ordenou, apontando uma cadeira em frente a um
biombo no canto do salão. — Não se preocupem com as câmeras, senhoritas.
Faremos um especial sobre a transformação de vocês. Todas as meninas de Illéa
vão querer ficar parecidas com vocês quando tivermos terminado.
De
fato, várias pessoas com câmeras perambulavam pelo salão, filmando de perto os
sapatos das garotas e fazendo entrevistas. Após as fotos, Silvia começou a
disparar ordens diferentes.
—
Levem a senhorita Celeste para a estação quatro, a senhorita Ashley para a
cinco... e parece que acabaram de liberar a estação dez. Leve a senhorita
Marlee para lá. A senhorita America vai para a seis.
—
Então, é o seguinte — disse um moreno baixo, conduzindo-me para o assento
número seis. — Precisamos conversar sobre sua imagem.
Ele
ia direto ao assunto.
—
Minha imagem?
Já
não estava boa? Não foi ela que me levou até ali?
—
Que impressão você quer dar? Com esses cabelos ruivos, podemos te deixar bem
sedutora. Mas se essa não for sua jogada, pensamos em outra coisa — ele disse
sem rodeios.
—
Não vou mudar tudo em mim para arranjar um cara que nem conheço — eu disse, enquanto
em minha cabeça completava a frase com um “e de quem não gosto”.
—
Nossa, temos alguém especial aqui? — ele disse, como se fosse uma criança.
—
E não somos todos especiais?
O
homem deu um sorriso.
—
Tudo bem, então. Não vamos mudar sua imagem; vamos apenas melhorá-la. Preciso
dar uma polida em você, mas sua aversão a tudo que é falso pode até ser uma
grande vantagem aqui. Continue assim, querida.
Ele
me deu um tapinha nas costas e saiu, não sem antes chamar um grupo de mulheres
que se moveu em bloco na minha direção.
Não
sabia que a “polida” de que ele tinha falado era literalmente uma polida. Uma
mulher começou a esfregar meu corpo, o que aparentemente eu era incapaz de
fazer direito sozinha. Em seguida, cada pedacinho de pele descoberta foi untado
com loções e óleos que me deixaram com cheiro de baunilha. Segundo a moça que
os passava em mim, era o aroma favorito do príncipe.
Assim
que terminaram de me deixar macia e suave, as atenções se voltaram para as
minhas unhas. Apararam, lixaram e – milagrosamente – conseguiram até tirar os
pedaços mais duros de cutícula. Eu disse que preferia não pintar as unhas, mas
as moças ficaram tão chateadas que deixei que fizessem meu pé. Uma das moças
escolheu um tom mais neutro, então o resultado não ficou tão ruim.
O
grupo que trabalhou em minhas unhas saiu para dar lugar a outra moça, enquanto
eu permanecia quieta na cadeira à espera da próxima rodada de embelezamento.
Uma equipe de filmagem passou por mim e focalizou minhas mãos.
—
Não se mexa — ordenou uma mulher, olhando torto para minhas unhas. — Mas você
não vai passar nada nelas?
—
Não.
Ela
deu um suspiro, sem me convencer, e foi embora.
Percebi
alguma coisa tremendo à minha esquerda. Vi então uma menina de olhos perdidos
balançando as pernas sob uma grande capa que alguém tinha jogado por cima dela.
—
Está tudo bem? — perguntei.
Minha
voz a tirou do transe. Ela suspirou.
—
Querem tingir meu cabelo de loiro. Disseram que ia combinar mais com meu tom de
pele. Acho que só estou nervosa.
Ela
abriu um sorriso tenso, que retribuí.
—
Seu nome é Sosie, certo?
—
Isso — ela sorriu, ainda ansiosa. — E o seu é America?
Concordei
com a cabeça.
—
Disseram que você veio com aquela Celeste. Ela é terrível!
Respirei
fundo. O salão inteiro escutava os gritos de Celeste com as pobres assistentes,
ordenando que lhe levassem algo ou simplesmente saíssem da frente.
—
Você não faz ideia — murmurei, e demos uma risadinha. — Olha, eu acho seu
cabelo lindo.
E
era mesmo. Nem escuro demais, nem claro demais, e bem cheio.
—
Obrigada.
—
Se não quiser mudar a cor dele, não mude.
Sosie
sorriu, mas dava para notar que ela não sabia ao certo se eu estava tentando
ser sua amiga ou prejudicá-la. Antes de ela dizer qualquer coisa, mais equipes
chegaram, gritando suas instruções tão alto que não houve como terminar a
conversa.
Meu
cabelo foi lavado, condicionado, hidratado e amaciado. Antes, era bem comprido
e tinha corte reto. Minha mãe o cortava, e era o melhor que ela podia fazer.
Quando terminaram, ele estava vários dedos mais curto e tinha camadas. Gostei
delas; faziam meu cabelo brilhar em diferentes contrastes. Algumas garotas
fizeram luzes. Outras, como Sosie, mudaram completamente a cor do cabelo. Nesse
quesito, tanto eu como minhas assistentes concordamos que não era necessário
fazer nada.
Uma
moça muito linda fez minha maquiagem. Pedi que não carregasse muito, e o
resultado ficou bom. Um monte de meninas ficou parecendo um pouco mais velha ou
mais jovem. Eu ainda parecia comigo mesma. E, claro, Celeste também, uma vez
que já estava com o rosto inteiro rebocado quando chegou.
Usei
um roupão durante a maior parte do processo. Quando terminaram de me ajeitar,
levaram-me para as araras. Meu nome estava marcado em uma barra de onde pendiam
vestidos para uma semana. Parecia que as candidatas a princesa não usavam
calça.
Acabei
escolhendo um vestido creme. Tinha bom caimento nos ombros, batia nos joelhos e
ficava confortável na cintura. A moça que me ajudava disse que era um vestido
para o dia, e garantiu que os vestidos de noite já estavam no meu quarto, para
onde as outras araras logo seriam levadas. Em seguida, ela pôs um broche
prateado perto da alça do vestido. Meu nome estava escrito nele em letras
brilhantes. Por fim, ela me deu uns sapatos de salto médio que chamava de
“saltos de gatinha”, e me mandou de volta para o canto, onde iam tirar minha
foto do “depois”. De lá, mandaram-me para uma das quatro estações menores
alinhadas contra a parede. Cada uma delas tinha uma cadeira, um biombo e uma
câmera bem na frente.
Sentei
e esperei, como me pediram. Uma mulher se sentou na minha frente com uma
prancheta cheia de informações. Ela me pediu um pouco de paciência enquanto
encontrava minha papelada.
—
Pra que isso? — perguntei.
—
É para o especial sobre a transformação. Vamos transmitir um programa sobre a
chegada de vocês hoje à noite e, na quarta-feira, um sobre a transformação. Na
sexta-feira, vocês vão participar do Jornal Oficial. As pessoas
viram as fotos de vocês e sabem um pouco do que está nos formulários de
inscrição — ela contou enquanto colocava minha recém-encontrada papelada no
alto da pilha na prancheta.
A
mulher cruzou os dedos e continuou.
—
Mas queremos que o povo realmente torça por vocês. E isso não vai acontecer se
eles não conhecerem bem cada uma. Então faremos uma rápida entrevista aqui, e
você vai fazer o seu melhor no Jornal Oficial. Não fique tímida
quando nos vir circulando pelo palácio. Não estaremos aqui todos os dias, mas
vamos aparecer bastante.
—
Tudo bem — concordei, obediente.
Eu
não queria mesmo ter que falar com equipes de filmagem. Era muito invasivo.
—
Então, America Singer, está pronta? — ela perguntou segundos antes de uma luz
vermelha na câmera acender.
—
Sim — respondi tentando não parecer nervosa.
—
Para ser sincera, não percebo muitas mudanças no seu visual. Você poderia nos
dizer como foi sua transformação hoje?
Pensei
um pouco.
—
Cortaram meu cabelo em camadas e coisas assim.
Passei
as mãos por minhas madeixas vermelhas e senti como meu cabelo estava mais suave
depois dos cuidados profissionais.
—
Também passaram loção de baunilha no meu corpo. Fiquei com cheiro de sobremesa
— continuei, cheirando os braços.
Ela
riu.
—
Que linda. E esse vestido cai muito bem em você.
—
Obrigada — eu disse, olhando minhas roupas novas. — Não sou muito de usar
vestido, então vou demorar um pouquinho para me acostumar.
—
Está certo — disse a entrevistadora. — Você é uma das três Cinco na Seleção.
Como a experiência tem sido até agora?
Procurei
na minha cabeça uma palavra para descrever como tinha sido o dia, desde minha
decepção na praça até a sensação de voar e a simpatia de Marlee.
—
Surpreendente.
—
Acho que dias ainda mais surpreendentes virão — comentou a entrevistadora.
—
Espero que sejam um pouco mais tranquilos do que hoje — repliquei entre
suspiros.
—
O que você achou da concorrência até agora?
Engoli
em seco.
—
As outras garotas são muito simpáticas — eu disse, completando na minha cabeça:
“Com uma notável exceção”.
—
Ahã... Ela percebeu que minha resposta escondia algo.
—
E o que você acha do resultado da transformação? Tem medo de que outra menina
tenha ficado melhor?
Ponderei
minha resposta. Dizer não seria esnobe, e dizer sim seria dar uma de coitada.
—
Acho que conseguiram realçar a beleza individual de cada garota.
Ela
sorriu.
—
Muito bem. É o suficiente.
—
Já?
—
A gente tem que encaixar trinta e cinco entrevistas em uma hora e meia. O que
fizemos está de bom tamanho.
—
Certo.
Até
que não foi ruim.
—
Obrigada. Você pode se sentar naquele sofá ali que alguém logo virá cuidar de
você.
Levantei-me
e fui para o grande sofá circular no canto. Duas meninas que eu ainda não
conhecia estavam sentadas ali, conversando calmamente. Olhei para os lados e vi
alguém dizer que o último lote acabara de chegar. Mais correria nas estações.
Prestei tanta atenção no tumulto que quase não notei quando Marlee se sentou ao
meu lado.
—
Marlee! Seu cabelo!
—
Eu sei. Puseram um aplique. Você acha que o príncipe vai gostar? — ela parecia
realmente preocupada.
—
Claro! Quem não gostaria de uma loira estonteante?
—
America, você é tão simpática. Aquelas pessoas no aeroporto amaram você.
—
Ah, eu só estava sendo legal com elas. Você também cumprimentou bastante gente
— repliquei.
—
Sim, mas bem menos que você.
Baixei
a cabeça, um pouco envergonhada de receber um elogio por uma coisa tão óbvia.
Quando a levantei de novo, olhei para as duas garotas sentadas conosco: Emmica
Brass e Samantha Lowell. Ainda não tínhamos sido apresentadas, mas eu sabia
quem elas eram. Fiquei com a pulga atrás da orelha. As duas me olhavam de um
jeito esquisito. Antes de eu ter tempo para pensar no motivo disso, Silvia
aproximou-se.
—
Muito bem, garotas, estão prontas?
Ela
conferiu a hora e nos olhou, esperando uma reação. Depois, continuou.
—
Vou fazer um passeio rápido com vocês pelo palácio e depois mostrar seus
quartos.
Marlee
bateu palmas, e nós quatro nos levantamos para sair. Silvia contou que aquele
lugar onde nos maquiaram e paparicaram era o Salão das Mulheres. Geralmente a
rainha, suas damas de companhia e outras mulheres da realeza se divertiam ali.
—
Acostumem-se àquele salão. Vocês passarão boa parte do tempo lá. Agora, quando
vocês entraram, viram o Grande Salão, que geralmente é usado para festas e
banquetes. Se houvesse muitas mais de vocês por aqui, seria lá que faríamos as
refeições. Mas a sala de jantar normal é grande o suficiente para suas
necessidades. Vamos dar uma passada por lá.
Silvia
mostrou onde a família real fazia suas refeições, em uma mesa à parte. As
Selecionadas ficariam em mesas compridas dispostas como um “U” bem estreito.
Nossos lugares já estavam marcados com plaquinhas muito elegantes. Eu ia me
sentar entre Ashley e Tiny Lee, que tinha visto de passagem no Salão das
Mulheres, e à frente de Kriss Ambers.
Deixamos
a sala de jantar e descemos as escadas até a sala de onde transmitiam o Jornal
Oficial de Illéa. De volta ao andar de cima, nossa guia apontou a sala onde
o rei e o príncipe trabalhavam na maior parte do tempo. A área estava além dos
nossos limites.
—
Outra coisa fora dos limites: o terceiro andar. Lá ficam os cômodos reservados
à família real, então nenhuma intrusão será tolerada. Os quartos de vocês estão
localizados no segundo andar. Vocês ocuparam boa parte dos quartos de visitas,
mas não se preocupem: ainda temos espaço para quem chegar. Estas portas aqui
dão para o jardim dos fundos. Olá, Hector. Olá, Markson.
Os
dois guardas à porta cumprimentaram com a cabeça. Demorou um pouco para eu
reconhecer que a grande arcada à nossa direita era a porta lateral para o
Grande Salão, o que significava que o Salão das Mulheres ficava no próximo
corredor à direita. Fiquei orgulhosa de mim mesma por ter percebido isso. O
palácio era uma espécie de labirinto opulento.
—
Vocês não podem sair do palácio em nenhuma circunstância — prosseguiu Silvia. —
Às vezes, durante o dia, poderão ir até o jardim, mas nunca sem permissão. Isso
é exclusivamente para manter vocês seguras. Apesar de nossos esforços, os
rebeldes entraram no palácio uma vez.
Um
calafrio percorreu minha espinha.
Entramos
em um corredor e subimos as enormes escadas que davam para o segundo andar. Eu
sentia tapetes tão espessos sob meus pés que tinha a impressão de afundar um
centímetro a cada passo. A luz atravessava janelas no alto; tudo cheirava a
flores e raios de sol. As paredes estavam repletas de pinturas grandes que retratavam
os reis do passado e alguns líderes americanos e canadenses. Pelo menos era
isso que eu achava, já que nenhum deles usava coroa.
—
As coisas de vocês já estão nos quartos. Se não gostarem da decoração, basta
avisar as criadas. Cada uma de vocês tem três, e elas também já estão nos
quartos. Vão ajudar vocês a desfazer as malas e a se preparar para o jantar.
Antes do jantar de hoje, vocês se reunirão no Salão das Mulheres para uma
projeção especial do Jornal Oficial de Illéa. Semana que vem,
estarão ao vivo no programa! Esta noite vocês verão algumas das imagens feitas
desde quando saíram de suas casas até a chegada aqui. Será bem especial. Saibam
que o príncipe Maxon ainda não viu nada. Ele verá o mesmo que Illéa esta noite.
Amanhã vocês o conhecerão oficialmente. Vocês jantarão em grupo, para que
possam se conhecer melhor, e amanhã os jogos começam!
Engoli
em seco. Regras demais, estrutura demais, gente demais. Eu só queria ficar
sozinha com um violino.
Começamos
a percorrer o segundo andar; e cada menina ia ficando em seu quarto. O meu era
depois de uma curva no corredor, em um pequeno saguão onde também estavam os
quartos de Bariel, Tiny e Jenna. Fiquei feliz de não ser bem no meio do
tumulto, como o de Marlee. Talvez assim eu tivesse um pouco mais de
privacidade.
Assim
que nossa guia saiu, abri a porta do meu quarto, para o susto de três mulheres.
Uma estava costurando em um dos cantos, as outras limpavam um quarto já
perfeito. Elas largaram apressadamente o que faziam para se apresentar: Lucy,
Anne e Mary. Esqueci quem era quem quase imediatamente. Custou bastante
convencê-las a me deixar sozinha.
Não
queria ser grossa, já que estavam ansiosas por ajudar, mas eu precisava de um
tempo sozinha.
—
Eu só preciso tirar uma soneca. Tenho certeza de que o dia de vocês também foi
longo. O melhor que podem fazer por mim é me deixar descansar e dar uma
relaxada também. Mas, por favor, me acordem quando for hora de descer.
Depois
de uma nova enxurrada de agradecimentos e reverências, que tentei interromper,
eu estava a sós. Não ajudou. Tentei me esticar na cama, mas cada milímetro do
meu corpo estava tenso, como se não quisesse que eu me sentisse confortável em
um lugar que obviamente não era para mim.
Havia
um violino no canto, e também um violão e um piano maravilhoso, mas não
consegui me empolgar com eles. Minha mala estava bem fechada, esperando ao pé
da cama, mas me pareceu trabalho demais. Sabia que eles tinham guardado algumas
coisas especiais para mim no armário e nas gavetas, mas também não tive vontade
de explorar.
Só
fiquei lá deitada, quieta. Sabia que deviam ter passado horas, mas elas
pareceram uns poucos minutos quando minhas criadas bateram levemente à porta.
Deixei-as entrar e, apesar de parecer estranho, me vestir. Elas estavam tão
felizes em ser úteis que eu não podia pedir que saíssem outra vez.
As
criadas puxaram partes do meu cabelo para trás e prenderam com presilhas
delicadas, além de retocar minha maquiagem. O vestido – que, como o resto do
guarda-roupa, fora criado pelas mãos delas – era verde-escuro e sua barra
tocava o chão. Sem aqueles saltos médios, eu tropeçaria nele.
Silvia
bateu à minha porta pontualmente às seis para me levar para o salão, junto com
minhas três vizinhas. Esperamos as demais no vestíbulo ao pé da escada e então
marchamos até o Salão das Mulheres. Marlee me viu e caminhamos juntas.
O
som de trinta e cinco pares de salto alto contra o mármore da escada era como a
música de uma manada elegante. Escutavam-se alguns cochichos, mas a maior parte
das moças permanecia em silêncio. Notei que as portas da sala de jantar estavam
fechadas quando passamos. Será que a família real estava lá, fazendo sua última
refeição a três?
Era
estranho sermos convidadas e, no entanto, ainda não termos conhecido nenhum
deles.
O
Salão das Mulheres tinha mudado na nossa ausência. Os espelhos e cabides já não
estavam lá. Em seu lugar, havia mesas e cadeiras preenchendo o salão, além de
uns sofás que pareciam bem confortáveis. Marlee olhou para mim e apontou com a
cabeça para um deles. Nós nos sentamos juntas. Quando todas estávamos
acomodadas, ligaram a TV e assistimos ao Jornal Oficial. As mesmas
notícias de sempre – novidades sobre o orçamento dos projetos, a situação das
guerras e outro ataque rebelde no leste – para depois dedicarem os trinta minutos
finais aos comentários de Gavril sobre as imagens do nosso dia.
—
Aqui vemos a senhorita Celeste Newsome se despedir de seus muitos admiradores
de Clermont. Essa adorável garota precisou de mais de uma hora para dizer adeus
aos fãs.
Celeste
sorriu convencida ao se ver na TV. Ela estava ao lado de Bariel Pratt, com seus
cabelos alisados até o talo e de um loiro tão claro que pareciam brancos. E não
havia como dizer de um jeito mais educado: ela tinha seios enormes. Eles se
insinuavam no seu vestido tomara que caia, desafiando todos a tentar
ignorá-los.
Bariel
era linda, mas de um jeito comum. Tinha um estilo parecido com o de Celeste. Ao
ver as duas juntas pensei na expressão “Mantenha seus inimigos por perto”. Acho
que uma viu na outra a concorrente mais forte logo de cara.
—
E as outras garotas do meio-leste também são muito populares. A atitude calma e
refinada de Ashley Brouillette a define imediatamente como uma dama. Sua
expressão humilde ao caminhar em meio à multidão não é muito diferente da expressão
da própria rainha. E Marlee Tames, de Kent, estava toda eufórica em sua partida
hoje, tendo até mesmo cantado o hino com a banda enviada ao local.
Fotos
de Marlee sorrindo e abraçando a multidão da sua província natal apareceram na
tela.
—
Ela é uma das favoritas de muitas pessoas que entrevistamos hoje.
Marlee
estendeu o braço e apertou minha mão. Estava feito: eu ia torcer por ela.
—
Quem também viajou com a senhorita Tames foi America Singer, uma das três Cinco
a chegar à Seleção.
Eles
me fizeram parecer melhor do que eu realmente estava naquele momento. Tudo de
que eu me lembrava era da minha triste busca por alguém na multidão. Mas o
trecho que escolheram me fez parecer madura e responsável. A imagem do abraço
com meu pai era linda e comovente.
Ainda
assim, não foi nada comparado às minhas imagens no aeroporto.
—
Sabemos que castas nada significam na Seleção, e parece que não devemos
desprezar a senhorita America. Assim que aterrissou em Angeles, tornou-se a
queridinha da multidão, parando para tirar fotos, distribuir autógrafos e
conversar com quem estava por lá. Ela não tem medo de sujar as mãos, uma
qualidade que muitos creem ser necessária à nossa próxima princesa.
Quase
todas olharam para mim. Pude ver em seus olhos o mesmo olhar que recebi de
Emmica e Samantha. De repente, aquelas encaradas fizeram sentido. Minhas
intenções não importavam. As outras garotas não sabiam que eu não queria
ganhar. Na visão delas, eu era uma ameaça. E dava para notar que me queriam
fora.
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